Novos dispositivos facilitam a vida de deficientes no país

15/12/2009 11:49

Novos dispositivos facilitam a vida de deficientes no país

Por Cibelle Bouças, de São Paulo

Jornal O Globo

15/12/2009

Claudio Belli/Valor/Claudio Belli/Valor

Alexandre Andrade, da Brava, busca operadoras que queiram oferecer gratuitamente software de celular para surdos

O gaúcho Jeancarlo Ravizzoni, de 33 anos de idade, perdeu parte da perna esquerda aos 20 anos em um acidente de moto. Passou três anos usando muleta à espera de uma prótese fornecida pelo sistema público de saúde e não ficou feliz com a prótese que recebeu. Alguns anos depois, adquiriu um joelho hidráulico para a prática de esportes. "Troquei meu 'fuqueta' por um Jaguar", brinca.

 

Hoje, Ravizzoni possui quatro próteses para diferentes atividades: uma de fibra de carbono para correr e andar de skate; uma hidráulica, para outras atividades de alto impacto, e duas para atividades cotidianas. A comparação das próteses com os modelos da Jaguar não é gratuita. Sistemas eletrônicos, hidráulicos e processadores para medição de esforço elevam o preço dos dispositivos, que podem custar R$ 100 mil.

 

O mercado de tecnologia auxiliar ou assistiva é composto por uma ampla oferta de equipamentos de ponta, quase tudo importado. Mesmo os modelos mais simples têm preço alto para a maioria da população. Uma prótese de perna simples custa em torno de R$ 5 mil; um aparelho de audição, R$ 8 mil; uma bengala, R$ 200. De acordo com dados do Ministério da Saúde e do Instituto de Tecnologia Assistiva (ITS), existem no Brasil 24,6 milhões de pessoas com pelo menos um tipo de deficiência - visual (67,6% dessa população), motora (32,3%), auditiva (23,3%), mental (11,6%) e física (5,8%). Não há dados sobre que parcela utiliza algum tipo de tecnologia auxiliar.

 

Até 2008, foram desenvolvidos no Brasil 243 projetos voltados à área e 123 patentes foram obtidas, mas apenas oito itens chegaram à fase de protótipo. Esse cenário tende a mudar no próximo ano com a entrada de produtos desenvolvidos no país a preços mais baixos que os concorrentes importados.

 

O Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP e a Fundação Otorrinolaringologia levaram três anos para desenvolver aparelhos auditivos que corrigem 85% dos problemas de surdez, diz Silvio Penteado, um dos pesquisadores. Entre as inovações estão o armazenamento de informações de como os pacientes utilizam os dispositivos e uma bateria que dura 480 horas (a tecnologia disponível atualmente oferece autonomia de 96 horas).

 

O Ministério da Saúde distribui uma média de 200 mil aparelhos auditivos por ano, importados a um valor médio de R$ 8 mil. O governo responde por 63% das importações, com gasto médio anual de R$ 150 milhões. O produto brasileiro tem um custo muito menor, que varia de R$ 240 a R$ 300. "Os aparelhos foram desenvolvidos para atender às políticas públicas, mantendo o nível qualitativo dos concorrentes importados", afirma Penteado. A Fundação Otorrinolaringologia agora busca um sócio industrial para iniciar a produção do aparelho. A expectativa é oferecer o produto já no próximo ano, diz o pesquisador.

 

Outro produto que será lançado em 2010 é um celular para surdos. Trata-se de uma evolução do telefone de texto (TS), aparelho semelhante ao telex no qual o surdo digita a mensagem, que é lida por um telefonista. O ouvinte, então, digita a resposta. A Brava, empresa do Porto Digital, em Recife, desenvolve há dois anos um software que faz o trabalho do telefonista. O surdo digita o texto, que é automaticamente convertido em voz. A resposta do ouvinte é captada e convertida em texto com a mesma rapidez. "O mais difícil foi fazer o aplicativo converter a voz em texto", afirma Alexandre Andrade, gerente-executivo da empresa.

 

O programa foi desenvolvido para aparelhos com o sistema operacional Windows Mobile, mas futuramente deve ser estendido a outros sistemas. O aplicativo, segundo Andrade, possibilita ao surdo manter conversas confidenciais e fazer chamadas de emergência. "Existe a opção da mensagem de texto no celular comum, mas não é em tempo real", diz o executivo.

 

O projeto recebeu R$ 1,5 milhão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e será testado por um grupo de 5 mil surdos, para lançamento em maio de 2010. A meta, segundo Andrade, é fechar parceria com operadoras para que o aplicativo seja fornecido gratuitamente ao consumidor. O produto é a principal aposta da empresa, que estima um faturamento de R$ 200 mil neste ano, podendo chegar a R$ 5 milhões em 2011.

 

A empresa Geraes, de Belo Horizonte, lançou no mês passado uma tecnologia em desenvolvimento há 12 anos por Dácio Pedro Simões para auxiliar, sobretudo, pessoas cegas: um sistema eletrônico para uso em transportes públicos. O sistema é composto de um aparelho receptor, instalado no ônibus, e um transmissor que fica com o usuário. Ao chegar no ponto, o passageiro seleciona a linha de ônibus desejada e o aparelho emite ondas de baixa frequência com raio de 100 metros. Essa é a distância que permite ao motorista frear antes do ponto correto, diz o sócio-gerente da Geraes, Adriano Rabelo Assis.

 

Ao chegar no ponto, uma gravação automática informa, por meio de uma caixa de som no ônibus, o número da linha. A gravação é repetida até que o usuário aperte um botão no seu aparelho indicando que encontrou o ônibus. A tecnologia foi licenciada à Geraes neste ano e terá como primeiro cliente a prefeitura de Jaú (SP), que finaliza detalhes para implantação do projeto-piloto. O equipamento para o ônibus custa R$ 660 e, para o usuário, R$ 250, mas o custo deve cair quando houver produção em larga escala.

 

Estevam Rogério da Silva, morador de Jaú, se entusiasma com a ideia. O rapaz já gastou milhares de reais em software para leitura no computador, identificação dos menus do celular e relógios que informam a hora. "Mas pegar ônibus continua sendo um inferno", diz.

 

Dar autonomia às pessoas com limitações físicas também é a filosofia de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No grupo está o pesquisador do Departamento de Engenharia Mecânica Danilo Nagem, que desenvolveu uma luva que permite a recuperação dos movimentos de uma mão lesionada. A luva possui eletrodos internos, uma pequena bateria e um conjunto de eletrodos sem fio que são conectados a um músculo sadio do paciente. O movimento é repetido pela luva, permitindo a recuperação das funções no médio prazo. A luva está em seu terceiro protótipo e deve ser lançada em 2010, diz Nagem.

 

Para quem perdeu um dos membros, as tecnologias mais modernas ainda são importadas. Ravizzoni usa próteses da islandesa Össur, cujo faturamento anual global é de US$ 370 milhões. Entre as novidades trazidas pela empresa ao Brasil estão mãos, joelhos e tornozelos. A mão eletrônica permite movimentos independentes dos cinco dedos. O tornozelo é dotado de sensores que cruzam dados como peso e inclinação do terreno, buscando de forma instantânea o melhor ponto de apoio para o pé. O processador incluído nessas próteses é capaz de analisar 1,6 mil dados por segundo.

 

Uma prótese da Össur dura, em média, cinco anos. Quando precisa de manutenção, ela é levada à empresa, que capta os dados com um leitor de tecnologia sem fio bluetooth e os usa numa prótese temporária, que a pessoa usa enquanto espera o conserto do equipamento definitivo. O custo de tudo isso chega a R$ 130 mil, diz Jairo Blumenthal, diretor de vendas da Össur para América Latina. "É um valor pouco acessível à maioria da população, mas traz uma ganho de qualidade de vida ao cliente que não tem preço", afirma.